
"Mais que amigo, mais que irmão, a metade de mim que existe em você e a metade de você que habita em mim... Um TXAI seria capaz de dar sua vida no lugar do outro se necessário fosse!"
Interstício, lugar de passagem. Aqui nesta varanda, nos entreolhamos refletidos. Um lugar entre o público e o privado, Um espaço entre o aberto e o fechado. O oculto e o revelado. Na varanda, no passado projetava-se o futuro. As pessoas se viam, se riam, se abraçavam... No degredo, o auto-exílio de passagem. A Casa Sincera! A queda tão necessária para ver o mar! A precipitação da semente para brotar! Aqui nos encontramos...
(Imagem extraída do álbum uol. Cobra Pínton/Malásia - com uma ovelha sendo digerida)
Postado por Márcia
Poema e insônia,
Este par que vez em sempre
Resolve marcar um encontro
Em meu corpo.
Despido, nu, e ainda não se viu
Embora com quase quarenta.
De novo neste degredo
Que busco para me encontrar
Em busca da criança que quero deixar-me ser.
Chamo Adélia, a Prado
E imploro que ela me ensine a soltar meus cães;
Mas não há cachorros, nem nada tão grande,
Há sapos, salamandras,
Anfíbios, plenos para água,
E inteiros para a terra.
Desejo as asas,
Mas as asas, quem me empresta
É a poesia.
É Vinícius quem as têm.
Que como ninguém,
Soube ser criança
Na medida em que crescia;
Quero poesia,
Poesia que acalanta
Que me traz de volta ao corpo
Este que nem me cabe,
Mas de novo me traz
Simplesmente por reverberar,
Estremecer o espírito.
E o verbo se faz carne.
Quero poesia,
É nela que deserto o haver
O haver que me nina
O haver que me encoraja;
O haver e o simplesmente ser.
(Márcia, insone...)
O haver
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
– Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história...
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.
in "Poesia completa e prosa: "Poesias coligidas", Vinícius de Moraes
Márcia, com saudades do que eu ainda não vivi.
(...Eita ventinho bão na varanda,
sô!Duas comadres, falando da vida,na vida, na varanda...hehehehehe.É que na corda bamba da vida,só sente a delícia do bônus,quem assume o ônus.O seu texto, Marcelle, é"sem anestesia",a intervenção cirúrgica
quetodos
passamquando,na vida,se lançam a projetos sérios...Eita ventinho
bão...)
A revista “Ser médico” da Cremesp – Conselho Regional de Medicina da cidade de SP – publicou no mês de dezembro a matéria “Deixar de ser médica” em que fala da jovem Haná, renomada acadêmica e residente da USP e posteriormente psiquiatra (com consultório montado) que desiste da medicina e a abandona para ser feliz. Inicia um curso de ciências da arte ainda médica do qual se afasta por não haver tempo para mais estudo, abandona a medicina e segue como documentarista para ter mais tempo de VIDA !
Redescobrindo Elis Regina declaro:
“Como se fora brincadeira de rodas”, ou história de ninar destas descabidas para crianças de 2 ou 3 anos, pra não dizer piada de péssimo gosto, retorno da caçada ainda com fome; - assustada e fugitiva daquele tigre imenso. Sim, como haveria de ser: chorosa, sedenta, faminta, medrosa! – Retornarei àquele lugar ou morrerei aqui de fome?
“O jogo do trabalho na dança das mãos vazias” é desalento; ameaça mais que o tigre... por maior que parecesse ser a fome dele. Porque “o suor dos corpos” no “suor da vida” se faz valer na diferença entre fuga e luta. Assim nos distinguimos entre nós. A honra está no caminho escolhido e no foco de interpretação.
Quando me aventurei era assim: “o animal que sabia da floresta” mas que se engana e se fere... E “redescobre o sal que está na própria pele” no próprio sangue que escorre e que bebeu pra tentar se reerguer. (O “lamber das línguas” é que ficou na memória, apenas... e “na magia das festas” que perdi!).
“Renascer da própria força” é bonito; da “própria luz” é ironia; da “própria fé” é ilusório! “Tudo principia na própria pessoa” quando constatamos que estamos num circo e que ter esperanças é ser palhaço. Performance é a palavra. Esforço é parto para se renascer “criança que não teme o tempo”, mas urge na experiência da libertação!
Mas ironicamente “tudo principia na própria pessoa”; talvez na própria floresta, talvez no reencontro com o mesmo tigre, na réplica da mesma luta de que fugi um dia, no “suor dos corpos na canção da vida” e no “suor da vida no calor de irmãos” em que a interpretação estará entre fugir e lutar, na empreitada abraçada antes e definidora de que “amor a se fazer é tão prazer que é como fosse dor”. (E dor sem anestesia). Renascer da própria fé ? - só no AMOR!
Parabenizo Haná pela coragem, mas prefiro antes tentar reinventar esta história, como que em brincadeira de roda, trocando as mãos seguradas, entoando outra cantiga, retocando a tal floresta... Insistir é a minha vitória. Ter esperanças é passado. Performance é a palavra. O parto há de acontecer – e sem anestesia.
Marcelle (Dez 06/Jan 07)
(Imagens retiradas dos sites: www.duiops.net e www.relatsencatala.com)
Esta postagem tem o sabor especial de estarmos na varanda no mesmo lado da tela! Amém!