
Há muito ando pensando sobre os equívocos da racionalidade ilustrada!
Não se trata de um pensar distante do corpo. Ao contrário, um processo que a carne sente, reclama por encontrar um lugar neste mundo.
Sem dúvidas, trata-se de um pensar de difícil comunhão com os outros, razão pela qual, exorcizo neste perdido lugar, num mundo de precária realidade: o blog.
Depois da quarentena, pareceu-me insustentável a reprodução de jargões que saúdam a vida e a existência. O pior deles é o desejo de sucesso!
Então, aqui estou no devaneio de pensar o sucesso como um grande equívoco da sociedade moderna. Vou por meio de tópicos:
- Sobre suas possibilidades - Trata-se da consagração do indivíduo. O indivíduo moderno só o é se bem sucedido. Sim, pois longe da idéia de sucesso, frequentemente, este ser é tido como fracassado, sem identidade, sem legitimidade. Equipes bem sucedidas, existem! Mas, além de raras, quando acontecem, o destaque é para o chefe, seja este “Bernardinho” ou “Giba”, o mentor, ou o operacionalizador do sucesso. Pessoas, numa carreira “solo”, tem-se a expectativa, que sejam tão, ou melhor, do que na equipe. O sucesso é o coroamento do diferencial, exatamente o que nos torna indivíduos, nos tira do anonimato, e projeta no nome do “tal”, como “o cara”. O indivíduo que se entende pós-moderno, também vive os paradoxos desta busca, posto que esta coloca-se sem qualquer referência de valores ontológicos que a limitem.
- Sobre sua promessa – a busca pelo sucesso é permanentemente busca, nunca o sucesso alcançado. Sucesso para ser mantido, há de ser sempre busca, pois o repouso da realização, da satisfação do dever cumprido, compromete o próprio conteúdo do sucesso (se é que não se trata em verdade da busca do nada). Daí por que sucesso e realização nunca se encontrem. O alcance do sucesso é sempre a própria necessidade de colocá-lo num patamar superior.
- Ética - do ponto de vista ético, o sucesso, ou sua busca, tem produzido indivíduos ávidos e capazes de apenas auto-reconhecimento. Paira sobre o ambicioso por sucesso a crença, ou pelo menos o marketing, de se ver sempre superior aos outros, o que em tese justifica a projeção do bem sucedido. Estes narcisos esquizofrênicos pelo “topo”, ou por ser “top”, não fazem outra coisa de suas vidas a não ser esta luta louca para estar acima de. Tal luta leva a uma total negação das relações inter-pessoais. São pessoas solitárias, cuja manutenção da relação no tempo só confirma o quem é por mim, ou o quem é contra mim. A busca do sucesso tem feito pessoas excessivamente egocentradas e incapazes de partilhar seu melhor com quem quer que seja. São verdadeiros monstros marcados pela hipertrofia do próprio umbigo, cujo reconhecimento do “outro” só tem sentido se for degrau para a ascensão própria.
- Sobre o fracasso – a busca insana pelo sucesso leva a negação do fracasso se estender ao erro. É estranha a necessidade de virar páginas, quando o erro poderia ser reciclado. Erros, que todos são passíveis de cometer, são loucamente escondidos pelos que ambicionam o sucesso. Nele, no erro, não se pode tocar, nem que para isto um mundo de delírio, de pura marketagem, seja construído para desviar os holofotes imaginários do candidato ao podium. Neste caso, a luz-holofote, ao invés de clarear, cega e só deixa enxergar a partir da narrativa do canto da sereia.
Na mitologia cristã, há um momento de pura criatividade narrativa para explicar a ordem do mundo. Falo do momento que Eva oferece a maçã a Adão, e este, fisgado, mergulha no pecado original. Há muito já se sabe que o mito, qualquer um, inclusive do pecado original, é uma narrativa, cheia de alegorias,que admite diferentes conteúdos às imagens postas, para cada cultura que a perpetue.
No caso do mito do paraíso, ao longo da Idade Média, a maçã assumiu o conteúdo da luxúria, da escuta aos desejos da sexualidade. A maçã incorporou a idéia do sexo, cujo controle correspondia a submissão das mentes àquele modelo de sociedade teocêntrica.
No séc. XIX, a maçã ganhou outro conteúdo, o de conhecimento... “comerás, e sereis como deuses”. O conhecimento científico, naquela sociedade de pleno elogio a potência humana pela ciência, passou a substituir a luxúria como forma de controle nas relações sociais.
Hoje, penso que este mesmo mito já admite outras variações. A maçã pode ser entendida como o SUCESSO, só que neste caso, a relação entre Adão, Eva e a Serpente há de ser reescrita, pois quando chegar a hora destas figuras serem expulsas do paraíso, por terem, sugerido, tocado e mordido a maçã, sequer o companhia e o calor de umas por outras há de haver.
Márcia
2 comentários:
Uau... Ambrosia divina!
Sem palavras pra descrever tanta delícia junta, cozinhada pelas belas mãos de tal mestra...
A referência à mitologia cristã foi impecável... Resta saber, quanto à Árvore da Ciência do Bem e do Mal, o que é bem e o que é mal... Huahauhuahauha
Nietzsche desceu aqui hein...
Sucessos, fracassos, perdas... Ai, judaico-cristão-ocidentais, vocês me irritam! (Como se eu fosse oriental neh, quem sabe em outra vida... rs)
Vc é magnífica, querida! Tenho muitas observações a fazer, mas há de ser pessoalmente...
Ah, falando em sucesso, num é q eu encontrei o meu hoje, menina?! Os enigmas me revelaram o sucesso... Ou seria a falicidade?!?!?
Droga, agora estou na dúvida... rs
MEU DEUS!!! O que que é isso! A D O R E I a forma de expor tão sábias conclusões... Que maestria na re-citação (recriação) do apocalipse...
E continuamos em sintonia...
JURO ter postado a última antes de lê-la... Tire por aí suas conclusões... Estou pasma!!!
Benção! Um beijo, Marcelle.
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