segunda-feira, março 11

Filhos, por quê não tê-los?

          Andei atormentada por tantos anos... Contorci-me sim. Menti pra você e pra mim porque na verdade já me descabelei um dia, já me afoguei, já me esfaqueei. E por fim te abortei! E isto sangrou muito... Mas não te concebi nem conceberei...
          Não mais sangra... Não sangrará você jamais!
          A constatação que me abrilhantou veio em 2011 e ecoa em cada crise existencial que encaro quanto a constante pergunta interior: - Terei um filho? E isto veio de lábios que respeito muito, por tudo que já ouvi deles... 
          Diante de atribulações cotidianas, cercada por um medo doentio de perder ou ver sofrer alguém que amo, perguntei com todas as letras a uma amiga cuja amizade nasceu em ambiente hospitalar: - Sou egoísta?
          E ouvi: " Olha, considerando tudo que ouvi você contando sobre sua vida, segundo seu prisma, mas sobre tudo que cerca seu ambiente familiar e tantas outras questões que presenciei, acho que se você não fosse egoísta, não teria chegado onde chegou. Cercada por tantos que não lhe dedicaram os olhos e os cuidados, sobrou apenas esta opção para migrar dos mundos que você habitou e não suportou. O seu egoísmo foi na real dimensão em que percebeu: se eu não fizer por mim, ninguém fará. Mas para isto precisou ausentar-se dos outros e se dedicar muito, estar voltada para si e por que não?"
           Ao acaso e com frequência me vejo por vezes com olhos pendentes sobre as televisões ligadas em noticiários fúnebres. Não choro porque nem sequer presto-lhes a atenção. Divago entre a maravilha da televisão desligada (como se assim ela estivesse) e meus pensamentos: - Arrependerei-me por não ter um filho? 
            Isto tem me intrigado porque em circunstâncias atuais vendem a ideia de que sou feliz somente se puder conceber e sou um monstro por desperdiçar esta verdadeira irreconhecível sacrificante e santa dádiva. Haja vista, para tanto absurdo, observa-se o número de clínicas de fertilização, espermas congelados, óvulos cultivados e mumificados em "bancos sagrados". Sinto que para muitos irmãos a vida se resume a isto: propagar meus genes e rir-me da forma natural e aleatória em que isto se transformou. Assina-se aí a realização do avesso à possibilidade de solidão. Cuidado eterno. Reconhecer-se nos olhos de outrem que pemitir-se criar. Não sei.
             Sou jovem, saudável, poderia procriar ou "comprar" espermas dos deuses gregos que se combinassem aos meus para gerar um ser simplesmente amável, mas seria outra pessoa em meu lugar, não eu!
             Poderia me trancar em casa para não ser reconhecida grávida ou em remota possibilidade poderia aceitar meu útero gravídico e desfilar entre os meus mundos, mas não me reconheço nisto!
             Chego à conclusão de que não necessito jogar na loteria casual dos complexos animados para receber algo que não conheço (ou conheço muito bem) e apostar ali as certezas de final feliz. Não dou nada disto aos que me geraram! Não posso fazê-lo. 
             Não quero viver outras vidas senão a minha, não estou disposta - talvez de forma bem egoísta, mas sim, peculiar. Não quero ver a possibilidade de tanta expectativa ou tanta graça me rejeitar ou ser rejeitada pelo mundo se o faz dentro de uma reportagem tosca como "Cachinhos de ouro e o jet ski!". Não seria justo comigo... Não seria eu... Por hora!
             Pode ser que eu mude de idéia à tempo de gerar mas teria aí nascido outrem de um clone meu...
             Sou egoísta demais para permitir-me amar tanto o que não conheço, conhecer demais outro ser humano, reconhecer-lhe seus motivos, culpar-me e doar-me. Sou tão grande que não tenho dado conta de mim! Prefiro olhar por sobre a televisão e decifrar-me por dentro. NÃO ME DECIFRARAM COMO EU O FARIA...
             E para terminar, dando a César o que é de César, do "laboratório" inverso ao qual pertenço hoje, a análise mais triste que faço é que os que mais critico estavam certos em suas fórmulas brutas. Estamos aqui, resistindo bem a este mundo ridículo, quatro irmãos diferentes e iguais...
            Resumindo:
            - EU PRECISARIA ERRAR MUITO PARA QUE DESSE CERTO... Não me permito. Não tenho coragem. Não saberia. Cometerei e assumirei as consequências em mim, sozinha como egoísta que o sou, de não gerar e não procriar para não deixar nascer. Para não fazer doer tanto. Para eles persistirem apesar e sobre mim. Desculpe. Te matarei por amor sempre que pensar em tê-lo. Mas não vejo sentido, meu filho!


Postado por Marcelle Sá - 10/03/2013 e escrito em 2011.

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