sexta-feira, abril 26

O Inusitado (1)

Este texto nasce numerado por uma razão já determinada: volto à varanda com alguns casos que tem me tomado por dias, em reflexão e em vivência. Se fosse mineira, poderia dizer que tenho sido mobilizada por "causos", histórias cotidianas que me inspiram aprendizagem, tanto pela origem (sempre vem de onde menos espero), quanto pelo exercício do "manter a mente aberta", tão caro para mim em tempos de fundamentalismos de toda sorte!

A última por mim deliciada foi assistindo ao Domingão do Faustão (programa que sempre mantive zilhões de reservas) numa entrevista feita a Luana Piovani (pessoa cuja referência pública até então havia chegado a mim somente pelos "barracos" nas relações amorosas). Digo isto para reforçar a ideia de que tratava-se de um momento de expectativa zero (e aqui tenho que abrir outros parênteses para reforçar a ocorrência da nulidade da expectativa quando sou tocada por palavras e inseminam ideias).

Não sei bem ao certo qual era o rumo da entrevista, quando a entrevistada falava do que tem aprendido com seu novo amor, um surfista, e deste eu nada sabia até então. Luana Piovani registrava seu aprendizado de pequenez humana, que para ela e seu parceiro, vem do surf, em contato com a imensidão do mar... nas palavras dela, o humano ganha uma dimensão de pequenez nas gigantes ondas,  que há de ser transportada para tudo que se faz.
 
Achei muito bacana esta proposta de transporte para as experiências corriqueiras, que nos tiram da centralidade do cosmo, e nos redimensiona em nossa grandeza.
Passei os últimos anos em um lugar típico de aprendizagem: sobre bancos escolares para realizar o sonho da Geografia. Neste curso, pude, com mais maturidade, refletir sobre o papel histórico antropocentrismo na minha experiência de vida.
 
É notória a ligação entre este sentimento de centralidade humana e da  híper dimensão do ego nas discussões sobre a vida em sociedade. O triste é que esta centralidade é capaz de produzir uma ética de soberba, de arrogância, e também de preguiça e de grandeza profundamente equivocada.
 
Uma das formas de ocorrência do equívoco é a crença e a luta pelas grandes rupturas, em outras palavras, pelas revoluções.
Como grande mudança, o ator a implementá-la só poderia ser o humano.
Para se chegar a esta grandeza, o quando de desprezo pelo pequeno se fez e se faz... à exemplo do texto que se segue:

“Vede aqueles que podem ser chamados
Simples condutores de comida,
Produtores de estrume, enchedores de latrinas,
Pois deles nada mais se vê no mundo
Nem qualquer virtude se observa no seu trabalho,
Nada deles restando além de latrinas cheias”

Leonardo da Vinci

Se ações tão necessárias, com produzir comida e dar destino aos resíduos, são desprezíveis, restaria então perguntar: quem serão os grandes homens, aqueles que ficarão na centralidade? E por que estes serão os grandes?
De outra sorte, quem serão os que se prestam apenas a encher latrinas, a fazerem de sua vida apenas uma carga de merda? E por que este destino é dado a eles?
 
Ainda é muito triste para mim ver que a ambição dos grandes projetos estão eticamente vinculadas às mesmas crenças de Leonardo da Vinci, ou mesmo de W. Shakespeare:

“Que obra de arte é o homem: tão nobre no raciocínio; tão vário na capacidade; em forma e movimento, tão preciso e admirável, na ação é como um anjo; no entendimento é como um Deus; a beleza do mundo, o exemplo dos animais.”
Hamlet, William Shakespeare
 
 
Sei do risco de privilegiar uma citação de Luana Piovani, em entrevista no Domingão do Faustão, preterindo a grandeza humana preconizada por da Vinci e por Shakespeare. Mas é o que tenho para hoje! Minha pequenez tem mais a me ensinar que minha grandeza, como projeto de pessoa e de cidadã que me faço já há tempos. Afinal, não exatamente no surf, mas no pedal, no corpo em movimento, venho experimentando os efeitos éticos do redimensionar a vida, a minha vida em primeiro lugar, e as relações que teço no cotidiano. E só assim é que o inconveniente de uma mente que não obedece o corpo, e vice-versa, vem desaparecendo dos meus dias. Que saia de mim todo antropocentrismo plantado pela cultura ocidental para que eu seja, sem distinção, corpo-mente, e não mais fragmentos distantes. Paradoxalmente isto tem sido para mim revolucionário!
 
 
Postado por Márcia
 
 

 

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